Durante esse fim de semana em Berlin estava conversando sobre o PC sobre os livros que tinha vontade de ler e ainda não li e a sensação que tenho de que certos livros entram na nossa vida na hora certa. Lembrei-me então desse texto que escrevi pra mim mesma há pouco mais de um mês e achei que valia a pena postá-lo aqui.
Tendo terminado de ler "A Metamorfose" do Kafka, me assombrou pela segunda vez desde que cheguei na Alemanha o pensamento de que certos livros passam pela nossa vida no momento certo. Acho que o mesmo vale para filmes e outras obras de arte. Mas hoje quero falar sobre a minha experiência com os livros na Alemanha. A primeira vez que esse pensamento cutucou minha consciência foi ao ler "Assim falou Zaratustra" (Nietzche). Comecei a ler este livro pouco antes de sair do Brasil, mas não conseguia de maneira alguma avançar. Após chegar na Alemanha, tudo que era dito no livro começou a se encaixar. Assim como Zaratustra no livro eu também era uma viajante uncompreendida que cada vez mais só encontrava sentido e compreensão dentro das minhas próprias reflexões. Meu refúgio do mundo exterior era meu mundo reflexivo. E pela primeira vez tive a sensação de estar lendo o livro certo no momento certo.
Ainda nesses primeiros momentos de isolamento voluntário, li uma peça do Sartre chamada "Os sequestrados de Altona" (que por coincidência - ou não - se passa na Alemanha). O personagem principal dessa obra também sofre um isolamento que, embora não seja exatamente voluntário, não é completamente involuntário. O agravante é que este isolamento interfere na vida das pessoas em volta. Percebi então duas coisas importantes: a primeira é que as minhas escolhas, apesar de influenciadas por pessoas e circunstâncias, são minhas e somente minhas. O "sequestrado de Altona" poderia sair de seu estado de sequestro e alienação do mundo real. Não o faz porque não quer. A segunda constatação que fiz a partir deste texto foi a de que as minhas escolhas, apesar de serem "minhas e somente minhas", afetam mais pessoas do que eu posso imaginar a princípio e podem trazer consequencias imprevisíveis. Ou seja... no fim de tudo concluo que as minhas escolhas são minhas e ao mesmo tempo afetam outrem o que as torna muito mais pesadas e dificeis de serem feitas.
Aí começo a ler Kafka, onde todo esse estado de estranhamento é involuntário. Afinal, o personagem principal não escolheu se tornar um inseto estranho... ele simplesmente acordou daquele jeito. E é essa metamorfose o ponto de partida para a reflexão de sua vida até então: aquela que ele não pode ter de volta. Então me percebo como esse inseto do Kafka: num país estranho, com habitos culturais diferentes dos meus e vendo a vida que eu não sabia que amava se desfazer com a minha ausência, sem que eu possa fazer nada para salvá-la. É interessante perceber que só podemos analisar as situações quando estamos de fora delas. Enquanto vivia a sua rotina diária, aquele personagem não dava valor às coisas que tinha a sua volta porque precisava trabalhar para mantê-las. A partir do momento em que essa rotina é interrompida e ele é colocado "do lado de fora" de sua própria vida, ele é capaz de refletir sobre a mesma. Ao contrário de Zaratustra, essa reflexão não é voluntária. Ao contrário do Sequestrado de Altona, ele não é preso por outrem e escolhe continuar naquele estado. Ele não tem escolha. Acredito que na vida real existam situações que fazem com que nos sintamos de maneira semelhante a esse personagem de Kafka: a morte de uma pessoa próxima, um acidente que nos tire de nossas funções normais temporaria ou permanentemente, o fim de um relacionamento, a mudança pra um lugar distante... A verdade é que essas situações, além de nos fazerem refletir sobre o passado, nos fazem sentir como se tivessemos morrido e tivessemos que ver como a vida segue sem a gente. Difícil é aprender a sobreviver.
A propósito, nennhum dos personagens de nenhum dos três livros sobrevive.
Engraçado... não li nenhum dos três livros, mas lenso o seu texto me senti como seu eu fosse um pouco dos três personagens...
ResponderExcluirComo assim não vai voltar tão cedo?