segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

pes [o] del [a]

Durante anos viu-se presa àquele amor impossível. Não havia nenhum lampejo de possibilidade naquela relação. Eram amigos. Desde o primeiro dia. Sempre seriam amigos. E nada mais. Não demorou muito para que a menina se tornasse moça e a moça, mulher. Ainda assim, nada mudou. Viam-se quase que diariamente. Conheciam todos os segredos. As vezes pareciam habitar na alma do outro. E só. Com o passar dos anos, passou a viver em paz com seu destino. Não sofria mais a cada encontro. Procurou outros prazeres, outras paixões.

Estavam na casa dela, deitados na cama e conversavam por horas a fio. Abraçaram-se e não havia nenhum fio de esperança em seu coração. Riram de algo sem sentido. Ela pegava no sono quando sentiu os lábios tocando os seus. Um turbilhão de coisas dentro da menina-moça-mulher. Tudo, tudo brotou dentro dela: todos os girassóis e rosas e jasmins que esperavam por um raio de sol para florescer. Eles estavam ali. E ela mal conseguia viver aquele beijo. Embaralhou-se dentro de si numa espécie de tontura, de confusão. Abriu os olhos e se beijavam. Se entregou ao momento como poucas vezes se entregara. Juntos, riram da situação como sempre riam de qualquer coisa que só os dois entendiam. Os corpos criavam cores, que se derretiam em formas e se fundiam em um, para logo se separarem novamente e transbordar cores jamais vistas. Tudo era como ela sempre soube que deveria ser. Riam. Riam, pois a felicidade não cabia neles.

Eram duas da manhã. Estava só em sua cama. Lembrou-se de um filme e tentou resgatar em sua memória o momento em que chegaram, os dois, na sua casa. Não encontrou rastro dessa memória, nem de terem se encontrado no dia anterior. Foi até o banheiro. Lavou o rosto. Na frustração de perceber que fora só um sonho, decidiu não mais dormir. Tinha medo de tudo que sentira na fantasia. Quando amanheceu, já sabia não ser possível ficar acordada para sempre. Levantou-se. Abriu a janela. O sol nascera mais cedo naquele dia.  Os pés descalços sobre o parapeito. Nua. Fechou os olhos e não teve mais medo. Antes de tocar o chão ainda ouviu, distante, o som do mar. E soube que não dormiria mais. 




segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

verbo reflexivo

transparentear-se:
tornar-se visível em excesso
mostrar-se demais
deixar de esconder
expor.

o medo nos obriga a não ser
o medo nos despeja de nós mesmos
quando deveríamos nos povoar
o que nos torna real deve ser camuflado

transparentear-se
deixar-se visibilizar
desnudar
ser.